O que está por trás dos avanços das vacinas terapêuticas e por que escalar essa inovação ainda é um desafio global
09/12/2025
Nos últimos anos, as vacinas terapêuticas produzidas com mRNA e voltadas para o tratamento do câncer deixaram de ser uma promessa distante para se tornar uma das frentes mais instigantes da medicina. Diferente das vacinas tradicionais, que previnem doenças, as vacinas terapêuticas tratam pacientes já diagnosticados, estimulando o sistema imunológico a reconhecer e combater células doentes, como as tumorais.
Os resultados mais recentes vêm chamando atenção: estudos combinando vacinas personalizadas com imunoterapias mostraram reduções significativas no risco de recorrência em pacientes com melanoma¹ e começam a apontar resultados promissores também em outros tipos de tumor². Porém, transformar essa promessa em realidade clínica e principalmente, produzir essas vacinas em escala, é um enorme desafio.
O dilema entre escala e personalização
Existem dois caminhos principais para desenvolver vacinas terapêuticas: as chamadas “off-the-shelf”, feitas em grande escala e iguais para vários pacientes, com antígenos comuns a diferentes tipos de tumor³. E as personalizadas, desenvolvidas sob medida com base nas mutações específicas de cada paciente⁴.
As vacinas personalizadas costumam gerar respostas imunológicas mais fortes e precisas, mas cada uma delas é, literalmente, um produto único – o que traz complexidade (e encarece) todo o processo⁵.
Por isso, as empresas estão tentando equilibrar os dois modelos: padronizar os processos industriais (o “como” se fabrica) e personalizar apenas o conteúdo genético (o “que” vai dentro da vacina).
Na produção, o tempo é o maior inimigo
Fabricar uma vacina personalizada não é simples. O processo começa com uma biópsia tumoral, que é sequenciada geneticamente para identificar as mutações do paciente. Depois, essas informações passam por uma análise bioinformática que escolhe os melhores “alvos” imunológicos. A partir daí, o RNA é produzido, encapsulado e testado antes da aplicação.
Mesmo com alta tecnologia, esse ciclo pode levar várias semanas, o que é longo demais para pacientes em tratamento ativo⁶.
Além disso, cada etapa precisa cumprir normas de boas práticas de fabricação, que exigem controle rigoroso de esterilidade, rastreabilidade e qualidade⁷, tornando a linha de produção mais lenta e cara.
Empresas e centros de pesquisa vêm testando formas de agilizar o processo, com fábricas modulares, linhas automatizadas e métodos de controle de qualidade mais rápidos⁸. Ainda assim, reduzir o tempo entre a coleta da amostra e a aplicação da vacina continua sendo um dos maiores gargalos.
Personalizar custa caro e exige dados confiáveis
Produzir uma vacina personalizada significa lidar com grandes volumes de dados genéticos. A qualidade da biópsia, a capacidade de identificar mutações relevantes e a precisão dos algoritmos que preveem a resposta imunológica são fatores decisivos⁴. Além disso, o custo é elevado. Cada dose envolve um processo de fabricação único, o que dificulta a adoção em larga escala e pressiona os sistemas de saúde quanto ao reembolso e ao modelo de precificação⁹.
Reguladores também precisam se adaptar
Outro obstáculo é o ambiente regulatório. As normas atuais foram criadas para medicamentos e vacinas tradicionais, não para produtos em que cada paciente tem sua própria fórmula. Agências como a FDA e a EMA já discutem a criação de “plataformas regulatórias”, nas quais se aprova o processo de produção, e não cada sequência individual de RNA⁷. Isso permitiria levar vacinas personalizadas ao paciente de forma mais rápida e segura.
O que está funcionando melhor
Algumas estratégias vêm mostrando bons resultados:
- Automatização e modularização das fábricas para produzir vários “lotes pequenos” em paralelo⁸.
- Uso de plataformas fixas (equipamentos, reagentes e protocolos padronizados), variando apenas o conteúdo genético¹⁰.
- Integração digital da cadeia produtiva, garantindo rastreabilidade total de cada amostra.
- Colaboração entre empresas, hospitais e startups para reduzir gargalos e compartilhar infraestrutura.
Para além do câncer
Embora o foco atual esteja no câncer, as vacinas terapêuticas já começam a ser investigadas também em doenças infecciosas crônicas e até autoimunes. E mesmo na oncologia, ainda há um percurso importante de maturação clínica e regulatória pela frente.
Nesse contexto, explica o Dr. Fernando Moura, Gerente Médico de Medicina de Precisão no Einstein, essas vacinas têm potencial de uso tanto de forma isolada quanto em combinação com imunoterapias já adotadas na prática:
“Embora ainda restritas aos campos da pesquisa e de estudos clínicos, as vacinas terapêuticas representam um importante avanço no campo da oncologia. Elas poderão ser usadas de modo isolado ou incorporadas a alguma estratégia de imunoterapia já existente nos dias de hoje.”
Segundo ele, o avanço pode ser especialmente relevante em pacientes tratados com intenção curativa – por exemplo, após cirurgias:
“No cenário pós-operatório, essas vacinas podem ajudar o sistema imunológico a permanecer vigilante, contribuindo para reduzir o risco de recidiva e, dessa forma, aumentando potencialmente as chances de cura.”
Da inovação à validação: o que vem a seguir
As vacinas terapêuticas representam uma das fronteiras mais promissoras entre imunologia, biotecnologia e medicina personalizada. Mas para que esse avanço chegue de forma ampla aos pacientes, é preciso repensar como novas terapias são desenvolvidas, testadas e validadas.
Estamos vivendo uma mudança profunda de paradigma, saindo do modelo de “um remédio para milhões” para o de “um tratamento para cada paciente” e tornar essa personalização escalável é o próximo grande desafio da indústria da saúde.
Avançar nessa direção depende de algo essencial: validar cada tecnologia em condições reais, assegurando segurança, eficácia e viabilidade. É nesse ponto que entra o Escritório de Validação de Tecnologias da Eretz.bio, que une rigor científico, visão de mercado e foco no paciente para transformar inovação em valor aplicado à saúde.
Referências
- Cancer Today Magazine. Cancer vaccines show promise in early trials. (2024). Disponível em: https://www.cancertodaymag.org/cancer-talk/cancer-vaccines-show-promise-in-early-trials
- Exploration of Immunology. Neoantigen-based cancer vaccines: progress and challenges. (2024). Disponível em: https://www.explorationpub.com/Journals/ei/Article/1003190
- Cancer Today Magazine. Cancer vaccines show promise in early trials. (2024).
- Exploration of Immunology. Neoantigen-based cancer vaccines: progress and challenges. (2024).
- Journal of Hematology & Oncology. Personalized cancer vaccines: current landscape and future direction. (2025).
- PMC – National Library of Medicine. Manufacturing timelines and clinical feasibility of personalized mRNA vaccines. (2025). Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11949952
- ACRP. The complex regulatory landscape for personalized cancer vaccines. (2024). Disponível em: https://acrpnet.org/2024/10/22/the-complex-regulatory-landscape-for-personalized-cancer-vaccines
- GenScript. Challenges and innovations in neoantigen peptide vaccine production. (2024). Disponível em: https://www.genscript.com/peptide-news/challenges-innovations-in-neoantigen-peptide-vaccine-production.html
- Grand View Research. Personalized Cancer Vaccine Market Report. (2024). Disponível em: https://www.grandviewresearch.com/industry-analysis/personalized-cancer-vaccine-market-report
- BioProcess International. Fill-Finish Operations for Advanced Therapies: Emerging Equipment and Facility Considerations. (2025). Disponível em: https://www.bioprocessintl.com/vaccines/fill-finish-operations-for-advanced-therapies-emerging-equipment-options-and-facility-considerations1
